A fila de crocodilos na borda do rio

Sonhos recorrentes

Caminhava eu,  na beira do rio, com o cascalho entre os dedos dos pés, no declive acentuado das margens, evitando a vegetação que pendia das árvores.
Abaixo dos meus passos, águas verde escuras, inertes mas salubres, calmas e misteriosas...

De um lado o físico, do outro o emocional, nos limites entre o consciente e o inconsciente...
Sempre caminhando do lado do consciente, com um olhar superior estratégico sobre o pacifismo e quietude do inconsciente.
O mundo físico em trajectória rectilinea e o emocional numa quietude e imutabilidade pacifista questionável.

Parei a caminhada nas margens e olhei com olhos de ver para quase imperceptível correnteza das águas escurecidas, mais pelas sombras da vegetação ribeirinha do que pelas águas em si...
Haveria espaço para um mergulho?

Foi quando me apercebi do movimento serpenteante que descia o rio, sereno e imperturbável das formas pré históricas de uma sombra que fazia adivinhar o óbvio, as pequenas oscilações na água recortavam a forma do crocodilo, que passava ignorando a minha existência de observador na margem a escassos metros de distância.

Ao aperceber-me da presença do réptil, senti um misto de excitação e medo, de entusiasmo e receio, de contentamento e pavor, serenei-me, eu estava do lado consciente físico, o réptil passava tranquilamente no inconsciente emocional, como se de um guardião se tratasse, um simples alerta para não mergulhar em territórios que não eram os meus.

Passou o primeiro crocodilo e de seguida mais dois, em fila, intervalados, descendo o rio, com as mesmas dimensões, o mesmo serpentear, a mesma velocidade, sob o meu olhar incrédulo enquanto dava os meus passos na margem acompanhando com o olhar o percurso dos répteis que entretanto desapareciam ao meu lado.

Foi quando percebi que estava numa clareira plana com o mesmo cascalho...
Assim que tirei os olhos do rio e olhei para a frente, estava cara a cara com um desses répteis pré históricos, enorme, imponente e estático, maior do que qualquer um dos tr~es que tinha visto descer o rio.

Congelei, um arrepio percorreu o meu corpo estava a menos de 1 metro de um animal com vários metros, que tinha conseguido transpor a barreira do emocional inconsciente para o físico consciente e se atravessara no meu caminho e me esperava de forma paciente e tranquila.

Não manifestou qualquer tipo de comportamento, apesar de reconhecer a minha presença...

Petrificado com semelhante encontro imediato decidi continuar viagem, o enorme crocodilo viu-me passar diante de si e continuar pela margem do rio, como se o leve ajuste de trajectória fosse a sua única intenção em cruzar o meu caminho, cumprindo a função de um simples cone de sinalização.

Manteve-se de boca fechada e expressão imperturbavel, deixou-me ir, como que certificando-se que eu continuaria pela margem sem a tentação de dar um mergulho nas águas sombrias onde passeavam os seus companheiros e familiares.

Segui viagem, reflectindo no aviso... E acordei!


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